Depois de uns dias com dores de cabeça e uns espirros, na
manhã da partida para o Senegal o Daniel acordou a dizer que lhe doía o corpo
todo, como se tivesse sido atropelado por um camião. Nada de anormal, talvez todos
nos estivéssemos a sentir assim depois de tantas horas de estrada e noites em
tendas.
Mas, ao longo do dia, as dores não passaram e o desconforto
foi uma constante. Fez a maior parte da viagem deitado, que era como se sentia
menos mal, e só tirou uma ou duas fotos, no Parque Natural de Dwaling. Foi quando
percebeu que nem forças tinha para pegar na máquina.
Mau! O rapaz só não tira fotos quando dá cabo do material ou
quando está mesmo mal. Passado o parque, começam os enjoos. Até pensei que se
deviam ao cheiro que ficou por termos dado boleia a uns homens até à fronteira,
mas eles não cessaram com o ar mais fresco.
Já nas horas de desespero passadas para entrar no Senegal,
percebi que ele tinha apagado e estava com febre. Acho que vamos ter que ir a
um médico… Finalmente chegados ao parque de campismo, e porque já toda a gente
percebeu que o Daniel não estava bem e o termómetro marcava 39º, deixaram-no
ficar na parte do hotel, para que pudesse dormir numa cama decente.
Mas, depois de deitado na cama, ele pergunta-me onde está e,
assim, com delírios, não restam muitas dúvidas. Ninguém pronuncia a palavra –
quase para não atrair – mas é urgente levá-lo ao hospital…já! O hospital era
uma clínica privada e o médico não estava, foi preciso ir buscá-lo a casa. O
Daniel continuava a delirar e podem perguntar-lhe o que se passou que ele só se
vai lembrar de ter falado com o médico, mesmo que não saiba o que lhe disse.
O homem nem precisou de lhe fazer o teste da gota espessa:
viu-lhe os olhos, a pressão e apalpou a barriga. Sentou-se à secretária e falou
como quem tem aquele discurso decorado há anos e o repete todos os dias. Receitou
uns quantos comprimidos para tomar, mas, essencialmente, a cura é beber muitos
líquidos e descansar o corpo ao máximo.
Sim, o Daniel apanhou malária e, na verdade, a palavra
assusta um bocado. Todos acreditamos que ele foi medicado a tempo, mas o raio
da doença paira por estes lados como um fantasma. A mim, essencialmente, fez-me
confusão a forma como as pessoas iam olhando para ele. Até porque os
comprimidos começaram a fazer efeito rapidamente e a cor foi-lhe voltando à
cara. Mas parecia que tinha "malária" escrito na testa. Toda a gente
de lá percebeu logo. Deve ser a força do hábito.
Os dias seguintes foram a luta para que os comprimidos –
primeiro – ficassem no estômago, e - depois – fizessem efeito. A febre foi
baixando, mas as forças ficaram sempre lá por baixo. Dizem que a malária é uma
valente tareia e confirma-se. Durante dois dias, o Daniel ficou-se pelo quarto
do hotel porque todas as tentativas para se levantar o deixavam cansado.
Ficou com melhor aspeto, mas, desta vez, atacado da barriga.
Veio tudo ao mesmo tempo, graças a deus. Em conversa com um homem de lá, ele
contou-nos que já teve malária 25 vezes e que o facto de o Daniel ter sido logo
assistido, impedindo que a doença lhe desse mais forte, ia amenizar qualquer
ataque da doença daqui para a frente. Ou seja, estará livre de ir parar a uma
cama de hospital como acontece à maior parte das pessoas neste continente se perceber logo os sintomas. Respiremos de alívio por agora.
Bom, o médico tinha dito para ele repousar totalmente, mas
isto em África tem muito que se lhe diga e, no dia seguinte, tivemos que ir a
um posto da fronteira por causa de um problema com os vistos do pessoal. É que
só alguns foram recebidos e já que nos podiam sacar mais algum dinheiro, não
iam perder a oportunidade.
Foi o verdadeiro martírio para o Daniel: a espera
interminável, o calor, o desconforto do lugar, as dores de barriga, a falta de
forças, o stress da situação, a hora de viagem. Foi mau, foi mesmo muito mau. E
esta gente gosta de inventar novos problemas quando achamos que já estamos
livres.
De volta ao hotel, felizmente o Daniel já tinha vontade de
comer qualquer coisa, mesmo que seja apenas metade de um pão e um sumo de
laranja. É melhor que nada. Por causa de tudo isto, os planos para partir para
a Guiné-Bissau na manhã seguinte foram alterados: saímos apenas ao final do
dia, com a carrinha transformada em cama, para que o rapaz aguentasse melhor
uma viagem de tantas horas, tanto calor e com a pior estrada de sempre.
Aqui vem a questão pertinente: valerá a pena sujeitá-lo a
mais este tormento ou mais vale ir já para casa para recuperar como deve ser? A
ideia de ele piorar por não descansar fez-me pensar bem na segunda hipótese. Mas
foi para entregar a foto aos miúdos de Dulombi que ali estávamos, por isso,
pelo menos isso tinha que ser concretizado. Nem outra coisa passava pela cabeça
do Daniel. Seja o que tiver que ser.
Ao terceiro dia, as forças eram cada vez maiores, mas sem
abusos. Aqueles buracos na estrada não ajudam ninguém e o estado do rapaz continua
a ser uma preocupação constante. Mas se está calor lá fora, dentro da carrinha
parada está ainda pior. Não está fácil… e os ânimos não são, obviamente, os
melhores. Felizmente, a fronteira na Guiné-Bissau é a que causa menos problemas.
Quer dizer, pelo menos é a que nos retém menos tempo.
É que os problemas vieram depois, por causa da necessidade
ou não de um pass-avant (o que permite a circulação dos carros no país) que uns
dizem já não existir e nos é pedido mais à frente. Pedido é elogio, porque o
homem estava mais mal disposto que um touro enraivecido e não nos deixou sair
dali durante umas longas e desesperantes horas. É que nem o facto de levarmos
um gajo doente valeu de alguma coisa.
Mais de 24 horas depois, chegámos, finalmente, a Galomaro, a
aldeia onde ficámos "alojados" na Guiné-Bissau. Valeu a receção
efusiva da população, a alegria das crianças que não nos largaram enquanto não as
deixámos ajudar-nos com as tendas e o reencontro do Daniel com o pequeno Mala,
um miúdo com o qual ele se ligou muito na primeira viagem.
Agora é tempo de descansar sem solavancos. Eis a explicação
do porquê de este post vir sem fotografias. Há coisas mais importantes.
Uma pergunta: O Daniel estava a tomar profilaxia para a malária, ou não?
ResponderExcluirSim, tomei o Actidox.
ExcluirDepois da nossa conversa vim aqui ver este blog tão bonito, minha Kiau.
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